A relação do LGBT com subculturas e contra-culturas
O LGBT tem
se tornado uma presença constante em diversos ambientes. Isto é algo muito bom,
pois visibilidade é necessário para conhecimento, e conhecimento gera
entendimento, que por fim (quase sempre) leva ao respeito. Contudo, muito antes
desta onda de representatividade chegar a mídia das massas, o LGBT já era
aceito em subculturas e contra-culturas, como é o caso do gótico e do punk.
Em 1977, a
insatisfação com o governo britânico fez surgir na Inglaterra uma
contra-cultura que abalaria as estruturas de diversas sociedades no mundo todo:
nascia o punk. Moicanos coloridos, roupas rasgadas e uma bagagem política na
mente, os punks fizeram muito barulho até o início dos anos 1980. Acabaram as
margens da sociedade por sua postura inconformada com a situação em que o país
e o mundo se encontravam na época. Clamavam por mudanças, pelo fim de toda
forma de poder opressivo, muitos até mesmo pelo fim da política, estes
defendendo um mundo num total estado de anarquia. Muitos jovens punks
encontravam abrigo em casas noturnas, bares e boates
LGBTs do subúrbio
londrino, pois os próprios LGBTs também estavam a margem da sociedade. Esta
marginalidade de ambos os grupos fez com que punks e gays fossem mutuamente
receptivos uns com os outros, inclusive com a participação ativa de ambos os
grupos na luta e protestos dos dois lados. Hoje, no centro de São Paulo é comum
ver jovens que dizem ser punks, agredindo jovens homossexuais devido sua
condição sexual. Estes indivíduos obviamente sequer foram procurar conhecer a
história do movimento do qual dizem fazer parte.
Na foto,um jovem com uma bandeira onde se lê “Bicha Punk”. Na foto original, ainda pode ser lida a frase :“Not gay as in happy, but queer as in punk rock”. |
Após o
fragmento do Punk, surgiu também na Inglaterra outro grupo de indivíduos cuja
sensibilidade artística era muito atrativa para jovens gays e lésbicas, e
também muito pejorativa para a camada conservadora. Este grupo permanece em
atividade e em constante expansão ainda hoje, e é claro, somos nós, góticos e
darkwavers. O gótico é considerado uma irmã menor e mórbida do punk, algo como
uma ideia que não veio do punk, mas que nasceu no mesmo meio, por falta de um
termo melhor. Usando de uma estética fúnebre e essencialmente andrógina, o
gótico teve um papel fundamental na cena gay, por assim dizer. Nos anos 1980, o
gótico era a última moda, e sendo assim era comum você ver rapazes se batom
preto, esmalte preto, lápis de olho preto... Nas palavras de Marc Almond (do
Soft Cell) “(...) a moda daquele ano (1983) era o gótico- roupas pretas, batom
preto, renda preta, cabelo preto-, você podia qualquer coisa, contanto que
fosse preta. Rostos pálidos, bijuterias imitando ossos- qualquer coisa
relacionada a morte estava na ordem do dia”. Ou seja, a estética da moda dos
anos 1980 era
relacionada a morte e também a androginia e ambiguidade. Isso deu
uma certa coragem as pessoas que ainda estavam “no armário”, inclusive há
relatos de jovens transexuais da época que se revelaram para a família e para
sociedade após o advento da estética gótica nos 1980. A sociedade aceitou
melhor? Não. Porem, como uma dessas jovens disse, o primeiro passo estava dado,
e as reações poderiam ter sido muito piores se não houvessem rapazes com mais
maquiagens que suas namoradas andando nas ruas.
Anna Varney Cantodea (Sopor Aeternus) que é uma das maiores referências estéticas e artísticas para a cena gótica atual, é uma transexual não-binária. |
Voltando
para o Brasil, em São Paulo sempre foi muito comum ver jovens gays que não eram
adeptos da Subcultura Gótica frequentando bares e casas noturnas góticas, pois
sabiam que ali naquele ambiente não sofreriam violência e agressão física ou
psicológica por simplesmente serem quem são. Talvez por ser a subcultura que
mais atribui papéis positivos as mulheres numa sociedade que, ainda hoje é
machista, o fato é que a subcultura gótica sempre esteve aberta e receptiva a
população LGBT. Inclusive apropria-se de diversos elementos deste universo,
seja pegando emprestado a estética e comportamento de personagens de filmes
gays, ou simplesmente pegando emprestado os “bordões” e frases tão frequentes
no mundo gay. Isso não quer dizer que todos os góticos são gays. Concluir isso
é errado. E muitas pessoas chegam neste tipo de conclusão pelo simples fato de
não conhecer uma palavra que deveria estar presente em suas vidas todos os
dias: respeito.
À seguir, confira o depoimento de um de nossos leitores, Klaus Hensel, à respeito da sua condição de gênero e como o gótico o faz se sentir à respeito disso:
"Bom... Acho perfeito estar de alguma forma botando isso pra fora, porque querendo ou não é uma libertação da minha parte. Infelizmente até dentro da subcultura tem gente que não entende, mas... é mais aceitável, pois a subcultura se baseia também na liberdade de expressão, na liberdade estética artística visual. Eu sempre tentei fazer parte de um determinado "grupo" digamos, mas nunca me aceitaram bem pelos meus gostos "diferentes". Dentro da subcultura, além de me identificar completamente com as músicas (obviamente, porque se não curte as músicas, não tem como ser um gótico), eu fui uma pessoa muito bem aceita. Tanto que conversei com algumas pessoas semelhantes a mim, digo em relação ao meu eu. Eu me vejo como uma mulher e um homem no mesmo corpo, é algo muito complexo de explicar e entender... Mas eu gosto de ser tratado mais no masculino, mas esteticamente prefiro ser feminina. Eu gosto de fazer uma mesclagem artística, misturando o trad/dr com uma estética meio queer não binária (gênero fluído). Uso o visual não como base na subcultura somente, como também base no meu eu. Senti total liberdade de eu poder ser quem eu sou, sem me taxarem como "aberração", e fico grato pelas pessoas que eu conheci, que me respeitam e me vêem como eu realmente sou (que é por dentro). A maioria das pessoas julgam-nos somente pela aparência, o famoso pré-conceito (julgamento antecipado), mas obtive isso de forma contrária na subcultura. Todos me aceitaram de braços abertos. Às vezes é difícil até eu mesmo entender o que se passa pela minha cabeça, mas garanto que não é só eu que passo por isso, conheci muitas pessoas iguais a mim. E a questão de ser trans ou não binário não influencia nos gostos do indivíduo, tipo... Eu sou pansexual gray-a, o que seria isso? Pansexual: Gosta de homem, mulher, trans, travesti, hermafrodita, etc. Somente relacionado à pessoas. Gray-A: Raramente sente atração sexual, mas não chega a ser assexual. As pessoas criticam o fato de existir muitos termos, mas acho que o ser humano é tão complexo para se prender a algo, deixem nós nos libertar! Por mim não existiriam rótulos, apenas pessoas e pessoas, mas isso de alguma forma nos separam em grupos, sendo mais fácil nossa identificação. Eu sou trans não binário, não me sinto bem no meu corpo, mas em relação à estética visual, eu gosto de mesclar, mais pro lado feminino. Gosto de algo meio dark com dragqueen. Bom, é isso!"
Nós, góticos, não estamos interessados na sua orientação sexual, pois desde que ela não interfira na felicidade e nem prejudique o próximo, nós só queremos que você se divirta e aproveite a noite conosco, pois o dia já está para nascer! Aproveitemos, enquanto po demos...
Adorei <3
ResponderExcluirValeu!!
ExcluirSó uma pontuação ali, adiantando já que amei a matéria, constar a Anna como transexual não-binário é um termo que contradiz. Transexual por si só é um termo binário, era e ainda é usado pra se referir que só se identifica em um gênero específico (ou é homem ou é mulher), o não binário na id é mais amplo nesse aspecto. Tem texto que refere a ela só como mulher trans, ou então só como pessoa trans sem especificar muito.
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