segunda-feira, 25 de junho de 2018

Entrevista: Sad Fayence

Viver na Subcultura Gótica quer dizer conhecer novas pessoas, fazer amizades, colaborar com projetos dentre muitas outras coisas.
Tivemos a oportunidade de conversar com o DJ, produtor, autor de zines e amigo Sad Fayence, ou também conhecido como Freon Heart. Neste bate-papo exclusivo, vamos saber um pouco dos primórdios anos góticos do belo rapaz, além de sua opinião sobre diversos assuntos polêmicos.

Confira!




1- Primeiro, gostaria de agradecer a oportunidade concedida aos nossos leitores para te conhecer um pouco melhor. Então, conte para nós quando e como você esbarrou na cena gótica/darkwave e quando começou a se identificar com ela:
Eu que agradeço, John!
Bom, meu primeiro contato com a cena gótica foi na primeira metade dos anos 2000, através de amigos do bairro. A identificação foi natural e quase que instantânea! Antes disso eu frequentava a cena indie. Nas baladas que eu ia também tocavam bandas como The Cure, Joy Division, Sioux e outros nomes básicos do Post Punk. Então, de alguma forma, eu já tinha um conhecimento superficial acerca do que constituía esse universo. Mas foi só depois que comecei a frequentar casas exclusivamente góticas que as coisas foram ficando mais claras (ou escuras hehe).

2- Como você definiria a sua estética?

Polêmicas a parte, sou um Trad Goth hahaha...
Tenho mesmo uma especial predileção pelo chamado “Early Goth”, a estética da
Batcave e todo o conceito que se desenvolveu em torno disso.


3- Sabemos que durante sua trajetória, você foi DJ de alguns eventos importantes. Conte para nós um pouco a respeito disso.

A primeira vez que toquei foi na After Dark, em 2006. Foi puro acaso. Estava indo com frequência na casa às sextas feiras e muitas vezes só tinha eu e alguns amigos lá dentro. Em algumas noites realmente nem DJ tinha! Deixavam um CD tocando e pronto. Foi ai que junto com um amigo assumi a função em algumas noites.
Em 2007, fui convidado pelo Kipper para discotecar no Projeto Gotham City, na Fofinho. Foram cinco ou seis edições. No final do mesmo ano, também toquei no Aeroflith – casa na qual mantive proximidade (mesmo com idas e vindas) até o seu encerramento em 2016.
Em 2008, fui residente do BlackOut, uma casa gótica que funcionou no bairro da Parada Inglesa. A partir de então, fui DJ convidado em outras tantas festas e casas: Dr Phibes, Via Underground, Confraria São Pedro, Luxuria, Madame...
Mas nunca encarei isso como uma profissão ou como fonte de “status”. Pra mim é diversão, hobbie, paixão. Fico contente em ter participado de tantas coisas legais, independente se foi como DJ, produtor ou público.

4- A Perky-Goth Party entrou num hiato há três anos, e este foi um evento que introduziu muita gente nova na cena ao longo de seus três anos de existência (2012-2015). Conte para nossos leitores um pouco sobre esse projeto; Podemos nutrir esperança para alguma nova festa no futuro?

A Perky também nasceu sem pretensão nenhuma. Tínhamos a ideia de fazer festas temáticas, alguém sugeriu o “tema” Perky Goth e resolvi fazer. Realmente, muita gente teve seu primeiro contato com a cena gótica (e até mesmo com a noite!) através da Perky. Jovens da cena Visual Kei e Lolita frequentavam porque a festa também abria espaço para bandas japonesas. A festa acabou se tornando eclética, expandiu seus horizontes, mas com honestidade e o esforço de se manter coerente. Acho que foi uma troca legal de experiencias.
O sucesso da Perky me fez arriscar produzir alguns shows internacionais maiores. Precipitado e vítima da má-fé de alguns, cometi alguns erros e descobri da pior forma possível as dificuldades de atuar nesse ramo de promover shows.
Mas não descarto uma volta, gosto muito de revivais haha...



5- Qual a sua opinião sobre o atual modelo da Wave Gotik Treffen?

As vezes me parece que o evento se descaracterizou um pouco, seja pelas atrações, seja pelo público. Mas, por outro lado, eu também entendo que “ampliar o leque” talvez seja a única maneira de manter um evento desse porte viável. Tenho essas observações críticas, mas também reconheço a importância e a grandeza do evento para a cena gótica mundial. Existem outros festivais que eu gostaria de conhecer mas, se tivesse a oportunidade, com certeza também visitaria a WGT.


6- Nos conhecemos há provavelmente seis ou sete anos atrás. De lá pra cá, quais foram as mudanças que você percebeu na cena?

É pouco tempo para analisar grandes mudanças, mas algumas coisas são evidentes. Por exemplo, nesse meio tempo as últimas casas alternativas exclusivamente góticas foram fechadas (Atmosphere e Aeroflith). Ainda tem o Madame, que mantem sua relevância, mas é um caso a parte. As redes sociais também ganharam mais força nesse período e explodiu o fenômeno dos vlogs do youtube. Acho que essas coisas já permitem uma reflexão acerca de alguns temas, principalmente no que diz respeito a identidade e a relevância das subculturas hoje, que me parecem cada vez mais corroídas pela cultura de consumo e descarte e esvaziadas pela fugacidade de interesses.



7- Conte-nos um pouco sobre o seu zine, o Última Quimera.

Eu sentia falta dos fórum e comunidades que permitiam uma troca de ideias mais ampla sobre assuntos que nos interessam. Me parece que isso foi perdido no modelo do Facebook, Youtube e, nem preciso dizer, do Instagram. Além disso, tem essa coisa de reviver uma publicação impressa, que circule de mão em mão, que permita um contato presencial. Particularmente, não gosto de ler online, pelo computador ou celular, prefiro os impressos, acho mais prático.
O Ultima Quimera nasceu do desejo de discutir a subcultura, refletir sobre as novas formas de entendimento e participação na cena. E também de resgatar memorias, compor a história da nossa cena. Tenho tido um interesse especial em estudar a história do gótico no Brasil.Eu já vinha planejando o zine desde pelo menos 2016, e em 2017 finalmente consegui produzir. No fim, foi interessante notar que o zine emergiu em consonância com outras publicações como o zine Ghosts of Diodati e a revista Gothic Station. Acho que era uma tendência o resgate dessa linguagem.

Já lançamos três edições e penso em produzir o numero quatro logo menos. 


8- Como e quando surgiu a ideia para montar um time de futebol formado por góticos, o Real Gothic Brasil? Como tem sido explorar um território até então novo por grande parte do público gótico?

Meu interesse por esporte, especialmente o futebol, me acompanha desde cedo. E não deixei de gostar quando me identifiquei como gótico (ok, posso ter deixado de praticar um pouco rsrs...).
Temos que tomar cuidado porque as vezes nos apegamos a estereótipos que podem nos auto-boicotar: a figura do gótico moribundo, alérgico ao sol, esbanjando um lirismo pedante etc...
O time também surgiu sem nenhuma pretensão. Em 2009, um pessoal de São Paulo organizou um jogo entre Góticos X Death Rockers. Foi tudo uma brincadeira, mas a partir de então percebi que outras pessoas da cena tinham interesse em jogar mais vezes. É aquela coisa, muitos de nós acabam se afastando do esporte já na fase da escola, seja por bullying, preconceito ou pelo excesso de competitividade que impera no ensino.
Percebi que criar um time com pessoas que viviam a mesma cena e compartilhavam os mesmos interesses poderia ser um caminho para aproximar e deixar mais a vontade uma galera que tinha vontade em jogar mas, de alguma forma, sofria ou se incomodava com essas questões.
Em 2012, conheci o Real Gothic, um time inglês formado por góticos que jogava durante o festival Whitby Goth Weekend (com a renda do jogo revertida para a fundação Sophie Lancaster). Foi o incentivo que faltava. Em outro continente, tinham góticos que também curtiam futebol. E assim nasceu o Real Gothic Brasil.
Na maior parte das vezes, somos incentivados, mas já houve quem se incomodasse e questionasse, mas eu até acho válido, não tenho problema em “me explicar” haha.
Costumo dizer que um gótico jogar futebol não prejudica sua identidade, pelo contrário, reafirma isso! 


9- Qual sua opinião sobre a atual cena no Brasil?

Eu não vejo uma situação tão crítica como alguns apontam. Claro que sempre pode melhorar! Já tivemos bons festivais, como a Thorns (esse mais “eclético”), o Wave Summer/Winter e o próprio Woodgothic, mas parece que sempre falta adesão. Mas eu acho arriscado cravar os motivos que prejudicam a cena. Tem muitas nuances nisso, desde a situação econômica do país até mesmo a queda de interesses duradouros nas subculturas em tempos de identidades fluídas. As vezes a saída mais fácil é apontar um “culpado” ou um “inimigo” em comum e isso pode ser precipitado.
As formas de viver a cena mudaram e seguem mudando e ainda estamos digerindo isso. Não tenho as respostas mas estou sempre aberto a procura-las.


10- O que você diria para quem está começando agora e lendo a essa entrevista?

Essa pergunta é difícil! Quem sou eu pra dizer... haha.
Acho que cada um naturalmente vai achando o seu caminho, se encontrando.
O que eu poderia dizer é que, em tempos de tantos conflitos, esteja sempre aberto ao diálogo. As vezes as pessoas deixam de se entender porque evitam o diálogo, uma crítica acaba sendo interpretada como ofensa e cria-se uma celeuma desnecessária.
Humildade não é humilhação, é saber escutar, tentar aprender com um outro ponto de vista. Nem sempre vamos concordar em tudo também, mas podemos conviver com as diferenças. 

Para maiores informações sobre o Real Gothic Brasil, acesse AQUI.

2 comentários:

  1. Parabéns pela entrevista! Comentários pontuais. Que a nossa cultura sub se desdobre em mais pessoas como vocês!

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